quinta-feira, outubro 29, 2009

Mário Lúcio Sousa por Mayra Andrade

Palavra
Mário Lúcio Sousa

Palavra:
Cruzado é jogo
Trocado é intriga
Dado é cumprido
Faltado é falsia
D´amor é poesia

De Rei é Lei
De Senhor, Ámen
Mal scrito é erro
Bem scrito é arte
Firmado é promessa
Di bô é simplesmente um língua na nha boca

Palavra:
De vivo é vento
De morto é herança
De honra é aval
Às vezes é lamento
De ordi é pa grita

Gritado é força
Às vez é fraqueza
Rimado é beleza
Rumado é blá-blá
Xintido é oraçon
Di bô é simplesmente um língua na nha boca

Palavra:
A favor é argumento
Cantado é finaçon
Titubeado é gaguez
Truncado é mudez
Calado, hmm! Desconfia

De Romeu é Julieta
De Quixote é loucura
De Buda é sapiência
De Fidel, persistência
Di meu podi ser banal
Ma di bô é simplesmente um língua na nha boca

por Mayra Andrade:


Mário Lúcio Sousa, poeta cabo-verdiano.

quarta-feira, outubro 28, 2009

Fernando Pessoa por Mônica Salmaso

Na Ribeira Deste Rio
(Dori Caymmi, sobre poema de Fernando Pessoa)

Na ribeira deste rio
Ou na ribeira daquele
Passam meus dias a fio
Nada me impede, me impele
Me dá calor ou dá frio

Vou vivendo o que o rio faz
Quando o rio não faz nada
Vejo os rastros que ele traz
Numa seqüência arrastada
Do que ficou para trás

Vou vendo e vou meditando
Não bem no rio que passa
Mas só no que estou pensando
Porque o bem dele é que faça
Eu não ver que vai passando

Vou na ribeira do rio
Que está aqui ou ali
E do seu curso me fio
Porque se o vi ou não vi
Ele passa e eu confio

Ele passa e eu confio

por Mônica Salmaso:

segunda-feira, outubro 26, 2009

Dionísio descobre Ariana (Le Nain - Séc. XVII)

Hilda Hist por Rita Ribeiro; Ângela Rô Rô e; Mônica Salmaso


I
Hilda Hist

É bom que seja assim, Dionísio, que não venhas.
Voz e vento apenas
Das coisas do lá fora

E sozinha supor
Que se estivesses dentro

Essa voz importante e esse vento
Das ramagens de fora

Eu jamais ouviria. Atento
Meu ouvido escutaria
O sumo do teu canto. Que não venhas, Dionísio.
Porque é melhor sonhar tua rudeza
E sorver reconquista a cada noite
Pensando: amanhã sim, virá.
E o tempo de amanhã será riqueza:
A cada noite, eu Ariana, preparando
Aroma e corpo. E o verso a cada noite
Se fazendo de tua sábia ausência.

por Rita Ribeiro:


V
Hilda Hist

Quando Beatriz e Caiana te perguntarem, Dionísio
Se me amas, podes dizer que não. Pouco me importa
ser nada à tua volta, sombra, coisa esgarçada
No entendimento de tua mãe e irmã. A mim me importa,
Dionísio, o que dizes deitado, ao meu ouvido
E o que tu dizes nem pode ser cantado
Porque é palavra de luta e despudor.
E no meu verso se faria injúria

E no meu quarto se faz verbo de amor

por Ângela Rô Rô:


IX
Hilda Hist

Tenho meditado e sofrido
Irmanada com esse corpo
E seu aquático jazigo

Pensando

Que se a mim não me deram
Esplêndida beleza
Deram-me a garganta
Esplandecida: palavra de ouro
A canção imantada
O sumarento gozo de cantar
Iluminada, ungida.

E te assustas do meu canto.
Tendo-me a mim
Preexistida e exata

Apenas tu, Dionísio, é que recusas
Ariana suspensa nas suas águas.

por Mônica Salmaso:

Oração a São Jorge da Capadócia por Racionais Mc's; Caetano Veloso e; Jorge Ben

Oração a São Jorge da Capadócia
(Tradição Popular)

Eu andarei vestido e armado com as armas de São Jorge para que meus inimigos tendo pés, não me alcancem; tendo mãos, não me peguem; tendo olhos não me vejam e nem em pensamentos eles possam me fazer mal. Armas de fogo o meu corpo não alcançarão, facas e lanças se quebrem sem o meu corpo tocar, cordas e correntes se arrebentem sem o meu corpo amarrar. Jesus Cristo me proteja e me defenda com o poder de sua santa e divina graça, Virgem de Nazaré me cubra com o seu manto sagrado e divino, protegendo-me em todas as minhas dores e aflições, e Deus com sua Divina Misericórdia e grande poder seja meu defensor contra as maldades e perseguições dos meus inimigos. Glorioso São Jorge, em nome de Deus, estenda-me o seu escudo e as suas poderosas armas, defendendo-me com a sua força e com a sua grandeza, e que debaixo das patas de seu fiel ginete meus inimigos fiquem humildes e submissos a vós. Assim seja com o poder de Deus, de Jesus e da falange do Divino Espírito Santo.

por Racionais Mc's:



por Caetano Veloso:


por Jorge Ben:

sexta-feira, outubro 23, 2009


Vinicius de Moraes e Adoniran Barbosa por Maysa;
Roberto Ribeiro
e; Elizeth Cardoso

Bom dia, tristeza
(Vinicius de Moraes e Adoniran Barbosa)


Bom dia, tristeza
Que tarde, tristeza
Você veio hoje me ver
Já estava ficando
Até meio triste
De estar tanto tempo
Longe de você

Se chegue, tristeza
Se sente comigo
Aqui, nesta mesa de bar
Beba do meu copo
Me dê o seu ombro
Que é para eu chorar
Chorar de tristeza
Tristeza de amar

por Maysa:


por Roberto Ribeiro
A tristeza é um bichinho que parrueta sozinho
E como rói a bandida
Parece rato em queijo parmesão.

(introdução de Adoniran Barbosa):


por Elizeth Cardoso:

Olavo Bilac por Kid Abelha

Ouvir Estrelas
Soneto XIII de Olavo Bilac

"Ora (direis) ouvir estrelas! Certo
Perdeste o senso!" E eu vos direi, no entanto,
Que, para ouvi-las muita vez desperto
E abro as janelas, pálido de espanto...

E conversamos toda noite, enquanto
A Via Láctea, como um pálio aberto,
Cintila. E, ao vir o sol, saudoso e em pranto,
Inda as procuro pelo céu deserto.

Direis agora: "Tresloucado amigo!
Que conversas com elas? Que sentido
Tem o que dizes, quando não estão contigo?"

E eu vos direi: "Amai para entendê-las!
Pois só quem ama pode ter ouvido
Capaz de ouvir e de entender estrelas".

por Kid Abelha:


Pedido de Chélide Teixeira, valeu pela dica.

quinta-feira, outubro 22, 2009


Bertold Brecht por MPB4 para Ópera do Malandro

O Malandro
(Versão livre de Chico Buarque para Die moritat von mackie messer ou Mack the Knife)

O malandro/Na dureza
Senta à mesa/Do café
Bebe um gole/De cachaça
Acha graça/E dá no pé

O garçom/No prejuízo
Sem sorriso/Sem freguês
De passagem/Pela caixa
Dá uma baixa/No português

O galego/Acha estranho
Que o seu ganho/Tá um horror
Pega o lápis/Soma os canos
Passa os danos/Pro distribuidor

Mas o frete/Vê que ao todo
Há engodo/Nos papéis
E pra cima/Do alambique
Dá um trambique/De cem mil réis

O usineiro/Nessa luta
Grita "ponte que o partiu"
Não é idiota/Trunca a nota
Lesa o Banco/Do Brasil

Nosso banco/Tá cotado
No mercado/Exterior
Então taxa/A cachaça
A um preço/Assutador

Mas os ianques/Com seus tanques
Têm bem mais o/Que fazer
E proíbem/Os soldados
Aliados/De beber

A cachaça/Tá parada
Rejeitada/No barril
O alambique/Tem chilique
Contra o Banco/Do Brasil

O usineiro/Faz barulho
Com orgulho/De produtor
Mas a sua/Raiva cega
Descarrega/No carregador

Este chega/Pro galego
Nega arrego/Cobra mais
A cachaça/Tá de graça
Mas o frete/Como é que faz?

O galego/Tá apertado
Pro seu lado/Não tá bom
Então deixa/Congelada
A mesada/Do garçom

O garçom vê/Um malandro
Sai gritando/Pega ladrão
E o malandro/Autuado
É julgado e condenado culpado
Pela situação

por MPB4:

quarta-feira, outubro 21, 2009


Carlos Drummond de Andrade por José Miguel Wisnik


Anoitecer

Carlos Drummond de Andrade

É a hora em que o sino toca,
mas aqui não há sinos;
há somente buzinas,
sirenes roucas, apitos
aflitos, pungentes, trágicos,
uivando escuro segredo;
desta hora tenho medo.

É a hora em que o pássaro volta,
mas de há muito não há pássaros;
só multidões compactas
escorrendo exaustas
como espesso óleo
que impregna o lajedo;
desta hora tenho medo.

É a hora do descanso,
mas o descanso vem tarde,
o corpo não pede sono,
depois de tanto rodar;
pede paz - morte - mergulho
no poço mais ermo e quedo;
desta hora tenho medo.

Hora de delicadeza,
gasalho, sombra, silêncio.
Haverá disso no mundo?
É antes a hora dos corvos,
bicando em mim, meu passado,
meu futuro, meu degredo;
desta hora, sim, tenho medo.

por José Miguel Wisnik:


Vinicius de Moraes e Maria Bethânia

Poética I / O Astronauta

De manhã escureço
De dia tardo
De tarde anoiteço
De noite ardo.

A oeste a morte
Contra quem vivo
Do sul cativo
O este é meu norte.

Outros que contem
Passo por passo:
Eu morro ontem.

Nasço amanhã
Ando onde há espaço:
- Meu tempo é quando.

Quando me pergunto
Se você existe mesmo amor
Entro logo em órbita
No espaço de mim mesmo, amor

Será que por acaso
A flor sabe que é flor
E a estrela Vênus
Sabe ao menos
Porque brilha mais bonita, amor

O astronauta ao menos
Viu que a Terra é toda azul, amor
Isso é bom saber
Porque é bom morar no azul, amor

Mas você, sei lá
Você é uma mulher
Sim, você é linda
Porque é.

De manhã escureço
De dia tardo
De tarde anoiteço
De noite tardo.

A oeste a morte
Contra quem vivo
Do sul cativo
O este é meu norte.

Outros que contem
Passo por passo:
Eu morro ontem.

Nasço amanhã
Ando onde há espaço:
- Meu tempo é quando.

Quando me pergunto
Se você existe mesmo amor
Entro logo em órbita
No espaço de mim mesmo, amor

Será que por acaso
A flor sabe que é flor
E a estrela Vênus
Sabe ao menos
Porque brilha mais bonita, amor

O astronauta ao menos
Viu que a Terra é toda azul, amor
Isso é bom saber
Porque é bom morar no azul, amor

Mas você, sei lá
Você é uma mulher
Sim, você é linda
Porque é.

terça-feira, outubro 20, 2009

Paulo Leminski por Vânia Abreu; Zizi Possi e Marcos Suzano; José Miguel Wisnik e Ná Ozzetti

Além Alma
(Paulo Leminski por Vânia Abreu)

Meu coração lá de longe faz sinal que quer voltar
Já no peito trago em bronze não tem vaga nem lugar
Pra que me serve um negócio que não cessa de bater
Mas me parece um relógio que acaba de enlouquecer
Pra que que eu quero quem chora se eu estou tão bem assim

E o vazio que vai lá fora, cai macio dentro de mim





Filhos de Santa Maria
(Paulo Leminski e Itamar Assumpção por Zizi Possi e Marcos Suzano)

Hoje eu saí lá fora
Como se tudo já tivesse havido
Já tivesse havido a guerra
A festa
Já tivesse havido
E eu, e eu, e eu
Fosse puro espírito
Aqui tô eu pra te proteger
Dos perigos da noite, do dia
Sou fogo, sou terra, sou água, sou gente
Eu também sou filha de Santa Maria
Se dona Maria soubesse
Que o filho pecava e pecava tão lindo
Pegava o pecado e jogava de lado
E fazia da Terra uma estrela
Sorrindo





Polonaise
(Paulo Leminski por José Miguel Wisnik e Ná Ozzeti)

Choveram-me lágrimas limpas, ininterruptas,
na minha infância campestre, celeste,
na mocidade de alturas e loucuras,
na minha idade adulta, idade de desdita;
choveram-me lágrimas limpas, ininterruptas...